domingo, 31 de julho de 2011

DEFENSSOR DA CULTURA NORDESTINA

DEFENSSOR DA CULTURA NORDESTINA

A Crise do Desejo: Amy Winehouse.

                                                                                              Ubiracy de Souza Braga*
                          O amor está fora da moda nos meios intelectuais” (Roland Barthes, 1995: 318).
              Por volta de 2006, as rádios do mundo começaram a tocar exaustivamente as músicas da cantora Amy Jade Winehouse que apresentava uma voz forte, letras intrigantes e uma mistura de blues e soul music de qualidade que há tempos não se ouvia desde os idos de Janis Joplin à la Eric Clapton, por exemplo. Em termos fashion Karl Largerfeld inspirou-se nela para a coleção pré-inverno 2009 da Chanel. A cantora ganhou o mundo ocidental com sua música que, em sua completude estética e artística, com vestidos “retrôs” que deixavam parte da langerie a mostra, cintos enormes e sapatilha de ballet, mas não só interpretava, o que não é pouco, como também compunha letras com uma impressionante capacidade vocal e estilo eternizado que veiculam “atitudes anti-intelectuais”. Foi assim que a cantora britânica virou referência na moda.
            Sim, a moda é um lugar de observação privilegiado para ver “funcionar o social” (cf. Lipovetsky, 1989). É apaixonante e cruel, porque descobrem-se coisas que estão na moda em um ano e, no ano seguinte, têm de se renovar para alcançarem uma nova moda. Por outro lado, a moda não é favorável ao mito, porque é demasiado rápida. O mito precisa se instalar, adquirir peso, criar tradições, por isso Amy Winehouse virou mito, já que não vivemos a aceleração da história, mas a aceleração da “pequena história”. É, portanto, precisamente com a crise do desejo que podemos encontrar mitos, porque é fixo, imóvel, agressivo, como fora o mito de esquerda, os ecos da ecologia para salvar a nossa casa, o planeta Terra, a questão tópica do aborto, ou as lutas contra o racismo. O mal-estar e a crise da civilização de que falava Freud, é talvez uma crise do desejo.
            O fenômeno histórico que aparenta revelar-se desse modo, há cinquenta anos, é o problema da “gregaridade” – é uma palavra nietzschiana. Os marginais multiplicam-se, reunem-se, tornam-se rebanhos, pequenos é certo, ou rebanhos de qualquer maneira. ParaRoland Barthes (1971; 1972; 1995) “a história atual é o desvio em direção à gregaridade: os regionalismos, por exemplo, são pequenas gregaridades que tentam reconstituir-se. Acredito agora que a única marginalidade verdadeiramente consequente é o individualismo. Mas há que se retomar esta noção de uma forma nova” (cf. Barthes, 1995: 395-396).   
Em “You Know I`m No Good”, Amy Winehouse, diz repetidas vezes:Eu disse que era problema / Você sabe que eu não sou boa” (“I told you I was trouble/You know that I'm no good”). “Yeah, você sabe que eu não sou boa”. E seguindo a trilha aberta por Barthes há precisamente nestes “fragmentos do discurso amoroso”, de um discurso amoroso, uma figura que tem um nome grego, o adjetivo que se aplica a Sócrates. Diz Nietzsche, que uma chave para compreender o ser de Sócrates nos é oferecida pelo estranho fenômeno chamado “demônio de Sócrates”. Melhor dizendo,

em certas circunstâncias, quando a extraordinária lucidez de sua inteligência parecia abandoná-lo, uma voz divina se fazia ouvir e lhe prestava nova segurança. Quando fala, essa voz sempre dissuade. Nessa natureza totalmente anormal, a sabedoria instintiva só intervém para entravar, combater o entendimento consciente. Enquanto que, em todos os criadores, o instinto é precisamente a força positiva, criadora e a razão consciente é uma função crítica, desencorajadora, em Sócrates, o instinto se revela crítico e a razão é criadora – verdadeira monstruosidade per defectum. E, com efeito, constatamos aqui verificamos um monstruoso defeito de toda disposição natural ao misticismo, de modo que Sócrates poderia ser considerado como o não-místico específico no qual, em virtude de uma particular estupefação, o espírito lógico se teria desenvolvido de uma forma tão desmesurada como é, no místico, a sabedoria instintiva” (cf. Nietzsche, Die Geburt der Tragodie oder Griechentum und Pessimismus, grifado no original).

Dizia-se ainda que Sócrates (cf. Platão, 1999) era atopos, quer dizer “sem lugar”, inclassificável. É um adjetivo que relacionamos, sobretudo ao objeto amado, tanto mais que, enquanto sujeito apaixonado simulado no livro, não saberia me reconhecer como atopos mas, ao contrário, como uma pessoa banal cujo dossiê é bastante conhecido. Ou seja,

sem tomar partido quanto ao fato de ser inclassificável, devo reconhecer que sempre trabalhei por repentes, por fases, e que há uma espécie de motor, que expliquei um pouco em R. B., que é o paradoxo. Quando um conjunto de posições parecem reificar-se, constituir uma situação social pouco precisa, então efetivamente, por mim mesmo sem o pensar, sinto o desejo de ir em outra direção. E é nisso que eu poderia me reconhecer como um intelectual; a função do intelectual sendo ir sempre em outra direção quando ´as coisas pegam`” (Barthes, 1995: 307-308). 

Há pouco mais de um século Sigmund Freud (1972; 1996) desandou de vez o caldo ao descobrir o inconsciente e, com isso, afirmar que não somos exatamente aquilo que pensamos. Com o espelho do Narciso arranhado, tomou-se consciência de que tudo poderia ser motivo de dúvida. Na insegurança e desorientação das massas, o capitalismo globalizado fez sua mágica. Além do coelho, tirou da cartola casas, carros, videogames, roupas e tudo o mais para nos desviar o foco das angústias. Porém, isso tudo não passa de uma forma de abstração. Quando alguém fala que está em crise existencial, precisa descobrir qual o seu motivo, pois não há um sintoma nomeado como “crise existencial”, existe sim castrações de desejo no sujeito que o angustiam.
Ipso facto, muitas pessoas sentem dificuldade ao tentar definir a razão de estarem insatisfeitas com a vida. O importante é entender que a crise existencial diz respeito à defesa do sujeito contra seu próprio desejo. Em resumo, entre solidão, aceitação sexual e problema familiar, a crise existencial nada mais é que um diálogo interno, sua autocrítica em comparação e relação a si mesmo e ao outro, pois na medida em que esse sujeito está de algum modo deserdado, esmagado pelas duas grandes estruturas psíquicas que mais retiveram a atenção da modernidade, a saber, a neurose e a psicose, o sujeito imaginário é um parente pobre dessas estruturas porque nunca é nem inteiramente psicótico, nem inteiramente neurótico, como ocorreu com o psicopata islamofóbico e autor do duplo atentado nestes dias na Noruega, Anders Behring Breivik, 32, que qualificou seu ato de “cruel, mas necessário” (cf. Braga, 2011).
Amy Jade Winehouse (1983-2011) fora uma cantora e compositora britânica. Ingressou na carreira musical em 2003, lançando seu primeiro single, Stronger Than Me. A canção alcançou a 71ª posição na UK Singles Chart. O single foi produzido para promover seu primeiro álbum de estúdio, Frank, lançado em 20 de outubro de 2003. Seu segundo single, Take the Box, foi lançado em 12 de janeiro de 2004 e alcançou boas posições nas tabelas musicais, assim como In My Bed, terceiro single da cantora. Meses depois, lançou seu quarto single, intitulado You Sent Me Flying, ficando em 60º lugar na UK Singles Chart. Para assim terminar seus trabalhos com o álbum Frank, Winehouse lançou mais dois singles: Pumps e Help Yourself. Ambos debutaram a 65ª posição na UK SinglesChart.

Amy Winehouse em um Festival de música na França

Após idas e boas-vindas na carreira, Amy lançou seu segundo álbum de estúdio, intitulado Back to Black. O álbum foi lançado em 6 de outubro de 2006, ficando em 2º lugar na especializada revista Billboard (que comprávamos ali na rua Barata Ribeiro em Copacabana) e em 1º na UK Albums Chart. Em 2008, Amy enfrentou sérios problemas com a saúde e a polícia. Foi vista em um vídeo, no site do jornal sensacionalista britânico The Sun, usando crack, em janeiro de 2008, e três dias depois “foi internada numa clínica onde ficou vigiada vinte e quatro horas por dia”. Também em 2008, foi presa duas vezes por agressão e dirigir bêbada. Em 2009, se separou de Blake, iniciando um romance com o diretor Reg Traviss. E, em 2010, Winehouse voltou ao tratamento clínico e se afastou temporariamente da música. Aproximadamente onze meses depois, em 23 de julho de 2011, Winehouse foi encontrada morta em sua casa em Londres, Inglaterra. A cerimônia fúnebre aconteceu no dia 26 de julho de 2011, uma terça-feira, em Londres, seguindo os preceitos da religião judaica. O corpo de Amy foi cremado.
A autópsia do corpo de Amy Winehouse foi inconclusiva e a polícia espera o resultado de novos exames toxicológicos para determinar a causa da morte, mas a família da cantora já possui uma teoria para a tragédia: “Amy morreu porque largou a bebida”. Segundo o tabloide britânico The Sun, uma fonte próxima da família disse que Amy ignorou a recomendação de seu médico para que largasse a bebida aos poucos. Uma amante se larga aos poucos, não uma bebida. A abstinência teria causado efeitos nocivos no corpo frágil da cantora de 1,59 metros de altura. Seu pai, Mitch Winehouse, revelou na terça-feira (26), após o funeral no norte de Londres, que Amy estava há três semanas sem beber. “Pai, não estou aguentando, não quero mais encarar você e todos da família deste jeito”, teria dito a cantora sobre sua intenção de largar o vício. Segundo o jornal britânico Daily Telegraph, na noite de sexta-feira (22) o médico de Amy Winehouse visitou a casa da cantora e saiu “sem preocupações com o estado de saúde dela”. A polícia de Londres também revelou que nenhuma droga foi encontrada na casa, só aparelhos domésticos, televisão, jornais e revistas britânicas. Winehouse passava por acompanhamento médico devido a seu conhecido vício em entorpecentes.
No dia 30 de maio de 2008, Amy Winehouse deu o seu primeiro concerto em Portugal, no Rock in Rio Lisboa. Aparentemente, Amy entrou em palco bêbada, apresentou-se com um hematoma no pescoço e uma ligadura na mão que a impedia de segurar o microfone. Encontrava-se rouca, pelo que o concerto deixou um pouco a desejar. Esse concerto foi motivo de notícia nos mais diversos meios de comunicação. A cantora inglesa pediu desculpas pelo seu atraso de 40 minutos (o que fez com que o alinhamento fosse encurtado para não atrasar o espetáculo de Lenny Kravitz) e ainda admitiu que “deveria ter cancelado o concerto devido ao mau estado da sua voz”.
Nesse mesmo concerto, Amy quase chorou quando cantou Love is a losing game e depois disse que recentemente tinha completado um ano de casamento com o seu então marido, Blake, que iria sair da prisão dentro de semanas. No seu grande e singular cabelo, Amy tinha “um coração com o nome dele”. Durante a música Wake Up Alone, a cantora quase caiu. A sua presença naquele concerto era uma incógnita até o momento em que aparecesse em palco e o “fato de ter aparecido já foi um ponto positivo para muitos fãs e para um recinto de quase 100 mil pessoas completamente esgotado”. Tony Blair se masturbaria se algum dia tivesse um público desses como político (cf. Braga, 2011). Acompanhada de seis músicos e dois vocalistas, Amy Winehouse demorou 50 minutos para interpretar pouco mais de dez temas retirados dos seus dois álbuns, Frank, Back to Black, mas não na sequência anteriormente prevista.
Semanas antes desse concerto, Amy foi presa duas vezes e foi vista cheia de arranhões. Na última audiência do ex-marido, Amy exaltou-se no tribunal e foi expulsa do edifício, pois não parava de gritar dentro da sala. Várias fotografias de Amy com Blake foram parar na rede mundial de computadores - Internet. Numa dessas, com a sua irreverência, “ela aparece em poses sensuais, com o seu seio exposto e com comprimidos na língua”. Também apareceram dois vídeos: um em que Amy canta uma música racista e outro em que ela está com Pete Doherty, brincando com ratinhos recém-nascidos. Depois ela gentilmente pediu desculpas pelo vídeo em que canta a música racista.
Amy Winehouse passou algum tempo num hospital, internada pelo pai, depois de ter desmaiado em casa quando ia dar autógrafos a fãs que a esperavam à porta de sua casa. Os médicos fizeram testes de tuberculose, que deram negativo, e disseram que Amy estava com sinais de algo que podia levar a um enfisema pulmonar. Foi feito um ultimato à cantora: “se não deixasse as drogas, ela iria perder a voz e morrer rapidamente”. Amy foi liberada para sair do hospital na última semana de junho para ensaiar, pois iria fazer shows que já estavam marcados antes da internação. Tudo isso seria feito com acompanhamento médico e depois dos shows ela retornaria ao hospital para continuar seu tratamento. Amy Winehouse, logo depois de sair do hospital para ir ensaiar, já foi encontrada fumando e comprando whisky, vodka e figurinhas do Euro 2008 para o ex-marido, com quem teria reatado.
No dia 29 de maio, a cantora inglesa apresentou-se no Festival de Glastonbury, onde cantou durante uma hora. Dessa vez, a cantora aproximou-se muito dos fãs, quando um deles jogou um objeto que bateu em sua cabeça, o que fez com que Amy tivesse uma reação agressiva, tentando dar socos no fã. Amy Winehouse há pouco tempo sofreu uma overdose e alguns especialistas disseram que ela estaria pesando 45 quilos, o que não seria normal para uma pessoa que pesava 50 kg em sua perfeita forma física e mental. Surpreendeu a muitos ao declarar que sonhava em ter filhos e ser feliz em um lugar que, segundo ela, estaria longe do cotidiano em que vivia. Um detalhe chamou muito a atenção na morte de Amy Winehouse - a cantora tinha 27 anos. A mesma idade com que morreram Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison e Kurt Cobain. Todos eles grandes ídolos da música, pois a arte é universal como ficara claro com os eventos de Woodstock - Tree Days.
Lembra-nos Coutinho (2011) que “morreu Amy Winehouse e os moralistas de serviço já começaram a aparecer. Como abutres que são”. Não há artigo, reportagem ou mero obituário que não fale de Winehouse com condescendência e piedade. Alguns, com tom professoral, falam dos riscos do álcool e da droga e dão o salto lógico, ou ilógico, para certas políticas públicas. Amy Winehouse é, consoante o gosto, um argumento a favor da criminalização das drogas; ou, então, um argumento a favor de uma legalização controlada, com o drogado a ser visto como doente e encaminhado para a clínica respetiva. Para ele, o sermão é hipócrita e, além disso, abusivo.
Começa por ser hipócrita porque este tom de lamentação e responsabilidade não existia quando Amy Winehouse estava viva e, digamos, ativa. Pelo contrário: quanto mais decadente, melhor; quanto mais drogada, melhor; quanto mais alcoolizada, melhor. Não havia jornal ou televisão que, confrontado com as imagens conhecidas de Winehouse em versão zoombie, não derramasse admiração pela ‘rebeldia’ de Amy, disposta a viver até o limite. Amy não era, como se lê agora, “uma pobre alma afogada em drogas e bebida”. Era alguém que criava as suas próprias regras, mostrando o dedo, ou coisa pior, para as decadentes instituições burguesas que a tentavam “civilizar”. E quando o pai da cantora veio a público implorar para que parassem de comprar os seus discos – raciocínio do homem: era o excesso de dinheiro que alimentava o excesso de vícios – toda a gente riu e o circo seguiu em frente. Os moralistas de hoje são os mesmos que riram do moralista de ontem.
O que Coutinho critica é o tom é abusivo “porque questiono, sinceramente, se deve a sociedade impor limites à autodestruição de um ser humano. A pergunta é velha e John Stuart Mill, um dos grandes filósofos liberais do século 19, respondeu a ela de forma inultrapassável: se não há dano para terceiros, o indivíduo deve ser soberano nas suas ações e na consequência das suas ações. Bem dito. Mas não é preciso perder tempo com filosofias. Melhor ler as letras das canções de Amy Winehouse, onde está todo um programa: uma autodestruição consciente, que não tolera paternalismos de qualquer espécie”. E de forma concludente afirma: “Moralizar o cadáver de Amy Winehouse? Não contem comigo, abutres”.

Bibliografia geral consultada

LIPOVETSKY, Gilles, O Império do Efêmero. A moda e seu destino nas sociedades modernas. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1989; BARTHES, Roland, O grau zero da escritura. São Paulo, Cultrix, 1971; Idem, Mitologias. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972; Idem, O grão da voz. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1995; FREUD, Sigmund, Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Neuva, 1972, 3 Volumes; Idem, Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Ed. Standard; Imago, 1996; BRAGA, Ubiracy de Souza, “O Modelo Wittgenstein de Verdade Apodítica. Linguagem Ideal ‘versus’ Linguagem Ordinária”. In: Revista Políticas Públicas e Sociedade. Fortaleza. Ano I. n˚ 1, março de 2003; Idem, “Guerra de Sangue” em Oslo, contra imigrantes e marxistas. Disponível em: http://www.oreconcavo.com.br/2011/07/26; DERRIDA, Jacques, A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971; Idem, Positions. Paris: Éditions de Minuit, 1972a; Idem, Dissémination. Paris: Éditions du Seuil, 1972b; DERRIDA, Jacques e FOUCAULT, Michel, Três Tempos sobre a História da Loucura. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001; PLATÃO, Fedro. 275-c a 276-d e Carta VI, 344-c. d.; Idem, Obras Completas. Madrid: Aguillar, 1977; Idem, Apologias a Sócrates. São Paulo: Martin Claret, 1999; NIETZSCHE, Friedrich, Vontade de Potência. Parte 1. São Paulo: Editora Escala, s.d; Idem, Vontade de Potência. Parte 2. São Paulo: Editora Escala, s.d; Idem, A Filosofia na Época trágica dos Gregos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. (Obras Incompletas; Os Pensadores); Idem, Sabedoria para depois de amanhã. São Paulo: Martins Fontes, 2005; Idem, A Vontade de Poder. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984, entre outros. 

*Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE). 

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Blog das Entrevistas

Blog das Entrevistas

Roberto Siebra - O ajudante de pedreiro que se fez doutor

QUINTA-FEIRA, 17 DE FEVEREIRO DE 2011


Filho de merendeira e marceneiro, Roberto Siebra tem uma história de vida que orgulha os filhos da classe do proletariado deste país. Quando menino vendeu pão picolé, inventou de ser engraxate, já adulto foi ajudante de pedreiro e atualmente é professor doutor da Universidade Regional do Cariri – URCA. Siebra foi perseguido na sua juventude por causa da sua militância política e é uma das figuras históricas do Partido Comunista do Brasil na Região do Cariri por ter ajudado a construir o partido no período da semi-cladestinidade.

Alexandre Lucas - Quem é Roberto Siebra?

Roberto Siebra - Um rapaz nascido e criado no bairro do Seminário, no município do Crato, tendo uma bela vista do Sopé da Chapada do Araripe, filho de uma merendeira de escola pública e de um marceneiro, casal que criou seus 4 filhos de forma honesta e ética, ensinamentos estes que até os dias atuais tomo como guia nas ações que pratico no cotidiano.


Alexandre Lucas - Como teve início o seu contato com o Partido Comunista do Brasil – PCdoB?

Roberto Siebra - O meu contato foi no inicio da década de 80, quando na oportunidade participava dos movimentos de juventude existentes no nosso município. Naquele período o Brasil vivia os dias finais da ditadura militar, com grandes manifestações da sociedade civil e política participando de milhares de movimentos pela liberdade e pela democracia. Foi em um destes momentos que conheci o PCdoB, ainda na clandestinidade.

Alexandre Lucas - Você teve um trabalho importante na construção do PCdoB na região do Cariri, no tempo em que o partido ainda vivia na clandestinidade. O que foi ser comunista neste tempo?

Roberto Siebra - Lembro bem que neste período éramos obrigados a termos nomes falsos, o meu era Mauricio, e as reuniões eram feitas obedecendo a várias regras de segurança, entre as quais, a de nunca exceder o numero de três pessoas, não fazer anotações, não se reunir sempre no mesmo lugar, etc.

Foi um período muito difícil para mim, então com 17 anos, que tive que trocar vários prazeres da juventude, pela prática política semi-clandestina. Significou por um bom tempo ter que mentir para família (Ex. varias vezes tinha reunião em Fortaleza e ai dizia que íamos para um encontro religioso, uma viagem de ferias, etc.)

Significou também enfrentar um grande preconceito de pessoas e instituições, e como exemplo lembro um episodio que mim marcou profundamente, a solicitação, na época de pessoas da Igreja Católica exigindo que retirasse do movimento de juventude, pois isto podia prejudicá-lo, etc.

Outro exemplo marcante foi a minha expulsão do Colégio Agrícola do Crato, depois de ter sido arrombado o meu armário e retirado alguns pertences, entre os quais alguns documentos tidos como subversivos. Mas, nada disto nos tirava a certeza de que o novo sempre vem, como diz o poeta Belchior. E, poucos anos depois, pudemos comprovar isto na prática com o fim da ditadura militar e o retorno a um país democrático.

E como as coisas mudaram, sinto feliz em ter dado esta contribuição. Esta é a melhor coisa que tenho, é o meu bem mais precioso, que deixo aos meus filhos, meus netos e próximos da minha geração. Dizer-lhes e provar-lhes que ajudei a construir um país livre da opressão e da miséria, tarefa que ainda continuo até hoje e pretendo levar até os dias finais de vida.

Alexandre Lucas – Quais eram os desafios?

Roberto Siebra - O grande desafio da época era combinar o trabalho semi-clandestino com o trabalho legal, mas o grande trabalho era organizar o combate a Ditadura Militar, daí tínhamos uma grande participação no movimento secundarista e de bairros.

Alexandre Lucas – Você vem da classe operária e teve uma vida sem facilidades. Antes de receber a titulação de doutor foi servente da
construção civil.

Roberto Siebra - Desde cedo aprendemos a lição reservada aos filhos das classes pobres – TRABALHAR. Comecei vendendo pão, depois picolés e até, sem muito sucesso tentando ser engraxate. Depois fui contratado por uma construtora para trabalhar nas casas populares, inicialmente como servente e depois, por conta de algumas facilidades, ascendi para apontador. Infelizmente esta carreira na construção civil durou pouco, pois ao descobri que tinha uma militância política e na obra estava tentando sindicalizar alguns funcionários, fui demitido.
Consegui emprego junto aos trabalhadores em transportes rodoviários, passando a atuar especificamente no sindicato dos trabalhadores desta categoria por um longo tempo, e ao sair fui ser Agente de Saúde no Crato, sendo posteriormente conduzido ao Sindicato Estadual dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde.

No decorrer da minha vida sempre mim virei para conseguir trabalho, mas o que é fundamental que nunca larguei os estudos. Mesmo tendo que trabalhar, conclui a minha graduação em História na Faculdade de Filosofia e fiz duas especializações na UECE, o que mim qualificou a trabalhar inicialmente na URCA como professor colaborador sendo contratado como professor efetivo, em decorrência de ter passado no primeiro concurso publico promovido por esta instituição. Foi uma das maiores alegrias da minha vida e da minha família.

Dentro da universidade, e com muita dificuldade lutei para conseguir galgar a patamares maiores. Afirmo com orgulho que eu sou um destes casos excepcionais numa sociedade como a nossa que reservou os melhores lugares sociais, políticos e econômicos, para as classes dominantes e abastardas. Imaginar que uma pessoa que teve a minha origem e história chegar a um dos maiores títulos acadêmicos em uma universidade brasileira – SER DOUTOR.

Alexandre Lucas – Essa sua trajetória é marcada por momentos difíceis?

Roberto Siebra - É verdade, aminha vida não foi nem é fácil. O importante nisto tudo é como enfrentamos e resolvemos estas dificuldades e tomei a decisão de enfrentá-las através de muito trabalho, de ser sincero, honesto e ético. Principalmente de nunca esquecer minha origem e em especial o esforço que o meu pai e mãe (Cristovão e Altina) fizeram para chegar aonde cheguei. Sem meus genitores, não estaria onde estou hoje e a eles dedico todas estas conquistas.

A esta trajetória gostaria de tirar uma lição aprendida na prática, por mais difícil que seja a vida, podemos conseguir sair vitorioso, mas isto significar ir a luta e não só ficar em casa se lamentando ou criticando os outros. Eu sou a prova viva disto.

Alexandre Lucas – Antes você ajudava a construir prédios e hoje ajudar a construir consciências?

Roberto Siebra - Esta é maior tarefa que existe e que enfrento. Construir consciências é um prédio muito difícil de levantar, até porque nunca estará concluso, sempre terá um andar para subir, o que exige um cotidiano de práticas e compromissos. Na construção das consciências existem dois fatores importantes, de caráter objetivo e subjetivo. O primeiro está relacionado como a pratica da educação formal e informal e o fator subjetivo engloba outras situações, muito difíceis de enfrentar numa sociedade onde o valor supremo é o dinheiro e o poder material, em detrimentos de outros valores éticos e morais transformados em moeda de troca no mercado de ações capitalistas.

Construir consciência significa construir um novo mundo calcado em valores supremos de dignidade e respeito aos valores fundamentais dos seres humanos. Significa em primeiro lugar acabar com a fome a miséria da maioria de nossa população.

Alexandre Lucas – O que significa a educação para você?

Roberto Siebra - Um passo importante, mas não o único, para iniciarmos o processo da construção de nossas consciências, um aliado fundamental para darmos dignidade a pessoa humana, e um instrumento valiosos na construção de uma ova sociedade. Não podemos prescindir do papel da educação como essencial no processo de produção e transformação das riquezas materiais, ou melhor dizendo, alavanca fundamental no avanço das forças produtivas e conseqüente mudança das relações sociais.

Alexandre Lucas – Existe uma crença de que a educação fará a revolução. Você acredita nisso?

Roberto Siebra - Não acredito que educação faça revolução até porque se isto fosse verdade os professores seriam agentes altamente revolucionários e aqueles que tem mestrado e/ou doutorado seriam seus lideres. E a realidade é bem diferente, pois a história mostra que este segmento nunca foi capaz de avançar ou liderar processos revolucionários significativos, ficando sua participação política restrita a lutas especificas, como melhoria salarial, etc.

É bem verdade que a educação formal pode ser um componente importante no processo de transformações de uma sociedade, mas se isto for acompanhado de um processo de conscientização política que ocorra em outras arenas da vida.

Alexandre Lucas – Qual o seu papel enquanto professor?

Roberto Siebra - O mesmo que tinha quando estava na fabrica, contribuir para a construção de um mundo melhor. Não mudou nada o fato de ser professor no que diz respeito ao meu papel, só o terreno da prática, pois é mais difícil ser professor universitário do que ser operário. O palco é diferenciado com grande predominância da vaidade e da falta de humildade, fatores que impedem que vejamos as outras categorias como parceiras e que exercem um papel fundamental na construção de uma nova realidade


Alexandre Lucas – O índice de analfabetismo em Cuba é baixíssimo. Quando você esteve em Cuba pode perceber diferenças no sistema educacional brasileiro?

Roberto Siebra - Tenho viajado muito, Europa, América Central e mais recentemente vários países da América Latina e isto mim fez ter muito cuidado na hora de fazer avaliações sobre as realidades especificas de cada país. São contextos históricos, sociais e políticos completamente diferentes dos nossos e temos que levar isto em consideração sob pena de cometermos erros de avaliação.

O caso cubano é mais complicado porque temos que levarmos em consideração um fator importante na construção histórica deste país, refiro-me a tentativa deste povo construir uma nova sociedade diferente daquela que estamos acostumados e que tem como base a mercantilização das relações. Isto é diferente e vai de encontro a falsa realidade que permeia a maioria da humanidade construída principalmente pelas classes dominantes dos grandes países imperialistas modernos, especialmente os Estados Unidos.

Não precisamos aqui fazemos nenhuma apologia a realidade cubana, pois os dados estatísticos referentes a conquistas sociais, nos quais está inserido a educação, são provas cientificas da vitalidade do sistema e dos grandes avanços conseguidos por este povo. É bem verdade que existem grandes problemas a serem enfrentados e vencidos e isto tem sido uma pratica cotidiana deste povo.

Alexandre Lucas - O seu doutorado é em Sociologia e sua tese tem como título: Os subterrâneos do poder: corrupção e instituições de controle no Estado do Ceará. O que você pode concluir a partir desta pesquisa?

Roberto Siebra - São varias as conclusões, mas especialmente, no que se diz respeito a corrupção podemos afirmar que é um fenômeno histórico, datado e não natural como afirma o senso comum. Isto significa dizer que esta pratica política, assim como teve inicio pode ter fim.

A corrupção é uma prática política de poder relacionada às elites dominantes que sempre a usaram como forma de manter os seus privilégios, motivo pela qual persistem nas instituições governamentais.

Outro fator importante diz respeito a relação entre corrupção e democracia, na medida em que esta ultima pode ser um antídoto poderoso para combater esta pratica ilícita.

Alexandre Lucas – No final do ano passado você vez uma aventura pela America Latina que lembra o revolucionário Ernesto Che Guevara. Como foi essa experiência em conhecer os países vizinhos como mochileiro?

Roberto Siebra - Estive recentemente na Bolívia, Peru, Chile e Argentina, conhecendo estes lugares, seu povo e historia de uma forma que lembra Guevara.Mas apesar de ter adotado a mesma forma de conhecimento, isto é, usar meios alternativos para esta aventura, nunca tive a presunção de imitar o comandante, até porque isto seria impossível, por vários motivos. Foi uma viagem de conhecimento, já que tive acesso a povos, culturas e costumes em tempo real, sem intermediários, vivenciando o cotidiano de nossos irmãos latino americanos. Isto é fundamental para o aprendizado de um cientista social de profissão e de coração que acredita que a busca do conhecimento tem que ter dois pilares inseparáveis: a teoria e a prática.

Todo este roteiro foi feito a pé, de bicicleta e de ônibus, seguindo um projeto que foi pensado por cerca de 10 meses e que foi finalmente concretizado, com todos os percalços que uma empreitada desta pode oferecer, inclusive risco de vida. Certamente foi uma das maiores aventuras de minha vida e mim impulsionou a transformá-la numa rotina a ponto de esta já planejando uma próxima

terça-feira, 26 de julho de 2011

“Guerra de Sangue” em Oslo, contra imigrantes e marxistas.

                          
                                                                                                       Ubiracy de Souza Braga*
O irônico, ao contrário, é uma profecia ou uma abreviatura de uma personalidade”. In: Om Begrebet Ironi med Stadigt Hensyn til Socrates, af S. A. Kierkegaard, Kjobenhavn, 1841, SV (1), XIII 95.
             O filósofo, professor, cientista político e cientista social norueguês, Jon Elster é autor de mais de uma dezena de livros. Seus estudos têm se direcionado ao processo de construção da Constituição norte-americana e à retração da justiça em países que saíram de um processo de governo autoritário ou totalitário. Em sua conferência no Fronteiras, Jon Elster expôs sua opinião sobre os sistemas eleitorais e os desafios do processo democrático, argumentando que a boa democracia reúne três características: “governança estável, alta taxa de comparecimento nas eleições e autoridades públicas competentes”. Uma das principais fronteiras, para Elster, é o processo eleitoral.
Para ele, a eleição deveria representar a “vontade popular”, mas, não raramente, o vencedor não reflete a preferência da população. O que a Constituição deve fazer é minimizar essa possibilidade. Em sua obra de filosofia e metodologia das ciências sociais do teórico social e político norueguês Jon Elster é o inventor do “marxismo analítico”. Ele acredita que o objetivo das ciências sociais - sociologia, antropologia, economia, política - é o estudo do comportamento humano em sociedade, que seria a causa de todos os fatos e acontecimentos históricos que podem ser observados em uma determinada sociedade. Elster define essa visão como o pressuposto de que todos os fenômenos sociais podem ser explicados pela ação de indivíduos entre si, e que, por isso, além do estudo do próprio comportamento, é preciso saber quais foram as motivações do indivíduo para agir daquele modo, para fazer aquela escolha dita racional.
J. Elster chama esse método de “individualismo metodológico”, que não pode ser confundido com o individualismo moral e político, que Elster, como socialista, critica de um ponto de vista ético. Essas motivações representariam os “mecanismos” que, ativado nos sujeitos quando ele estivesse diante de um número de escolhas possíveis sobre aquilo“que ele poderia fazer”, e, deste modo, à análise das motivações (preferências). Elster  analisa as possibilidades de escolha (oportunidades) e a  crença daquele que escolhe  em relação às suas “possibilidades de escolha”. Talvez haja aí um eco da filosofia de Jean-Paul Sartre, mas Elster alega que chegou às suas conclusões por meio da crítica a outro paradigma de análise de comportamento, a chamada “escolha racional”, que reduz “o homem a uma máquina instrumental de perseguição do autointeresse calculando friamente tudo”.
            Pode-se dizer que a linha central da crítica realizada pelos partidários dessas duas metodologias, seja Elster, seja Adam Przeworski, direcionasse no sentido de apontar os limites do holismo metodológico: a preponderância do todo ou da coletividade (as macroestruturas), sobre a parte ou a individualidade e substituí-lo por uma visão que se volta sobre os micro-fundamentos sociais ou, o que dá no mesmo, sobre os pequenos grupos, ou mesmo o indivíduo como origem e fundamento da existência social. Aparece então, em primeiro plano, a necessidade da explicação se basear na pesquisa e compreensão da racionalidade ou do sentido que os indivíduos dão as relações e a ação social com relação aos fins.
Concordamos com Adam Przeworski que entende que todas as teorias que explicam o funcionamento da sociedade sejam elas oriundas de Marx, Durkheim ou Parsons, sendo que este buscou combinar atividade humana e estrutura em uma teoria e não se limitou ao “funcionalismo”, necessitam ser submetidas ao mesmo desafio: “fornecer os micro fundamentos para fenômenos sociais e especificamente, basear toda a teoria da sociedade nas ações dos indivíduos concebidas como orientadas para a realização de objetivos racionais”. Mesmo que a ação racional seja um elemento fundamental, o individualismo metodológico não é em principio, segundo Jon Elster, redutível ao primeiro. Em tese, e isto é importante, pode-se imaginar a construção de micro fundamentos tendo como referencial de análise a ação individual, mas não necessariamente, a ação racional. Elster dá um exemplo: na frase, “os Estados Unidos temem a União Soviética, o primeiro substantivo coletivo é objeto de redução, mas não o segundo, porque aquilo que os norte-americanos individualmente considerados temem pode muito bem ser uma nebulosa entidade coletiva (escrito em 1986)”. Segundo Elster, a função do individualismo metodológico é a de ajudar a “abrir a caixa preta” e mostrar como funcionam as suas “engrenagens internas”. Isto é, a dedução a partir das macro-estruturas não é válida, pois os mecanismos causais da ação social ficam ocultos e o nível de explicação do(s) motivo(s) da ocorrência de determinado(s) evento(s) fica bastante reduzido.
Além disso, argumenta que “a racionalidade instrumental, a escolha de meios adequados aos interesses egoístas, é mais um mecanismo que explica as razões da escolha e da ação do homem”. Elster estuda um amplo conjunto de mecanismos, que ele divide entre aqueles que explicam as ações individuais e aqueles que explicam a interação social entre os indivíduos; evidentemente, os segundos são mais complexos que os primeiros e os pressupõem. Entre os mecanismos da ação, chama a atenção para dois, em especial: a) as emoções e paixões que nos impelem impulsivamente, e, b) as normas sociais, leis que nós obedecemos (e queremos que os outros obedeçam) voluntariamente, sem uso de coerção, e, portanto, formas de conduta compulsória.
Entre as “interações sociais”, chama a atenção ainda, em especial, para as consequências “não intencionais” de um comportamento, desde a sua progênie quer em Max Weber e ipso facto em Charles Wright Mills, enquanto que explicam muito bem os mecanismos de “ação coletiva”, uma forma de interação cooperativa entre todos os indivíduos de um grupo (como partidos políticos), e as instituições, mecanismos de imposição de regras compulsórias, utilizando inventivos positivos ou coerções para regular o comportamento do indivíduo, como por exemplo: Estado, empresas, exército, judiciário, etc. Enfim, ele analisa a mudança social de várias esferas da vida social, da inovação tecnológica às revoluções políticas. É muito claro e conciso, igualmente ilustrando os mecanismos com exemplos hipotéticos, históricos e literários, demonstrando que sabe muito bem do que está falando, e estabelecendo bases sólidas para as ciências sociais, idade, barrando interesses e posições particulares.
No sentido etnobiográfico, para fazermos referência à questão da diversidade cultural, se já não é um truísmo, Jon Elster “sucedeu” Pierre Bourdieu no Collége de France (1982-2001), que por sua vez havia “sucedido” Claude Lévi-Strauss e a cadeira de Antropologia Social (1959-1982). Na instituição, não há a prática de “ocupar a vaga de”, como no Brasil, já que se permite que sejam criadas outras cadeiras conforme a orientação e as pesquisas do novo titular. De toda maneira, nada mais diferente do que os interesses desse filósofo social norueguês (que foi orientando de Raymond Aron e escreveu uma conhecida tese sobre Marx na Sorbonne, cf. edição 1989) em relação ao primeiro e ao segundo dessa linhagem que tem em Marcel Mauss e na cadeira de Sociologia (1931-1942) sua origem, por assim dizer.
Como é sabido, a história sem solução de continuidade do comunismo, enquanto movimento social moderno, tem início com a corrente de esquerda da Revolução Francesa. Uma linha direta descendente liga a “conspiração dos iguais” de Babeuf, através de Felipe Buonarotti, às associações revolucionárias de Blanqui dos anos 30; e essas, por sua vez, se ligam – através da Liga dos justos, formada pelos exilados alemães inspirada por eles, - e que depois se tornará Liga dos Comunistas, a Marx e Engels, que redigiram sob encomenda da Liga, o Manifesto do Partido Comunista. Portanto, é natural que a projetada “Biblioteca” de Marx e Engels, de 1845, devesse iniciar com dois ramos da literatura “socialista”: Babeuf e Buonarotti, seguidos por Morely e Mably, que representavam a ala abertamente comunista, seguidos pelos críticos de esquerda da igualdade da Revolução Francesa e pelos “raivosos”: o Cercle Social, Hébert, Jacques Roux, Leclerc, para ficarmos nestes exemplos.
Todavia, o interesse teórico do que Engels definiria como “um instrumento ascético que se inspirava em Esparta”, não era muito grande. E tão pouco os escritores de 1830 e 40, enquanto teóricos, parecem ter impressionado favoravelmente Marx e Engels. Aliás, Marx afirmou que – precisamente por causa do primitivismo e da unilateralidade de seus primeiros escritos teóricos – “não foi por acaso que o comunismo viu surgir diante de si outras doutrinas socialistas, como as de Fourier, Proudhon, etc.; foi por necessidade”. Mesmo tendo lido os seus escritos, inclusive os de figuras relativamente menores, como Lahautière (1813-1882) e Pillot (1808-1877), Marx devia pouco à análise social dos mesmos, que consistia, sobretudo, na formulação da luta de classe como luta entre os “proletários” e os seus exploradores capitalistas.
Para sermos breves, lembramos que o comunismo babouvista e neobabouvista foi importante por dois motivos. Em primeiro lugar, ao contrário da maior parte das teorias socialistas utópicas, estava empenhado a fundo na atividade política, e, portanto, não representava apenas uma teoria revolucionária, mas também uma doutrina (embora limitada) da práxis política, da organização, da estratégia e da tática. Seus principais representantes nos anos 1830 – Laponneraye (1808-1849), Lahautière, Dézamy, Pillot e, sobretudo, Blanqui – eram ativos revolucionários. Isso, juntamente com o nexo entre eles e a Revolução Francesa (que Marx estudou a fundo), tornava-os extremamente importantes para o desenvolvimento de seu pensamento político. Em segundo lugar, mesmo se os escritores comunistas eram em sua maioria intelectuais marginais, o movimento comunista dos anos 1830 exerceu uma evidente atração sobre os trabalhadores. Além disso, se Lorenz von Stein destacou esse fato, ele não deixou de impressionar também Marx e Engels; e Engels, mais tarde, recordou o caráter proletário do movimento comunista dos anos 1840, distinguindo-o do caráter burguês de quase todo o socialismo utópico. Ipso facto, “desse movimento francês, - que adotou o nome de ´comunista` por volta de 1840, - os comunistas alemães, inclusive Marx e Engels, adotaram o nome da própria doutrina” (cf. Hobsbawm, 1980: 41).
Fora de dúvida que não podemos perder de vista, Stuttgart como a última morada da Internacional Comunista, pois a moção sobre o militarismo e os conflitos internacionais votada no Congresso da Internacional em Stuttgart (16-24 de agosto de 1907), do ponto de vista da democracia socialista, será constantemente invocada pelos socialistas como testemunho de sua vontade coletiva de opor-se à guerra; depois, pelos bolcheviques e por seus aliados, como prova, ao contrário, da traição da Segunda Internacional. Portanto, é possível considerar o Congresso de Stuttgart, ponto culminante da vida da Segunda Internacional, como um observatório privilegiado para examinar o modo pelo qual esta organização respondeu, historicamente, entre 1905 e 1910, aos desafios do militarismo, do nacionalismo e do imperialismo, como vimos em termos de “vontade coletiva”, ou “escolha racional”, como vemos na pena dos autores contemporâneos sobre este tema.
O autor do duplo atentado na Noruega, Anders Behring Breivik, norueguês de 32 anos, preparou com muita antecedência a operação que resultou na morte de pelo menos 92 pessoas, fazendo 97 feridos e um número indeterminado de desaparecidos, segundo o mais recente e ainda provisório número divulgado pela polícia, onde ele afirma que qualificou seu ato de “cruel, mas necessário”, tinha colocado na rede mundial de computadores-internet, um manifesto de 1,5 mil páginas chamando à violência contra muçulmanos e comunistas. Detido após o ataque ao acampamento de férias da ilha de Utoya postou um largo documento intitulado: “2083 A European Declaration of Independence”, em inglês, em que entre outras coisas declarava a “guerra de sangue” contra imigrantes e marxistas, de acordo com a agência de notícias NTB, onde o assassino afirma: “Acho que é o último texto que vou escrever. Hoje é sexta-feira, 22 de julho, 12h51”, terminava o manifesto.
Duas horas e meia mais tarde, explodiu a bomba no complexo governamental de Oslo, em que morreram 7 pessoas, aos quais seguiu o massacre da ilha Utoya, com outras 85 vítimas fatais. Segundo explicou seu advogado, Geir Lippestad, conhecido por ter defendido famosos neonazistas, o assassino declarou à polícia que o massacre que perpetrou era “cruel, mas necessário”. O norueguês é ligado a grupos ultradireitistas, fundamentalistas cristãos e islamófobos e reconheceu perante as forças de segurança que esteve por trás da tragédia da ilha de Utoya, na qual morreram baleadas 85 pessoas, em sua maioria adolescente.
Assim o explicou seu advogado, Geir Lippestad, segundo informação do canal de televisão independente da Noruega, TV 2, na qual apontou que o assassino declarou perante a polícia durante horas: Ele explicou a seriedade do assunto, a incrível amplitude de feridos e mortos. Sua reação foi assumir que era cruel executar esses assassinatos, mas na sua opinião “isto era necessário”, disse Lippestad, confirmando o nome do assassino, um extremo que até o momento só a imprensa local tinha feito. Acrescentou que Anders Behring Breivik não negou nada do que fez e se prestou a colaborar com a investigação, para “fornecer evidências”, assim como o motivo que o levou a perpetrar o massacre de Oslo.
Um ser humano sofre de algum tipo de falha, se lhe falta uma característica que é tida como “especificamente humana”. Supondo-se, por exemplo, que a espontaneidade é um objetivo que todo ser deve alcançar, então sofre de uma falha o ser que não consegue exteriorizar-se bem e é totalmente não espontâneo, falha esta que pode ser percebida como uma neurose. O termo neurose, do grego neuron (nervo) e osis (condição doente ou anormal), foi criado pelo médico escocês William Cullen em 1787 para indicar “desordens de sentidos e movimento” causadas por “efeitos gerais do sistema nervoso”. Na psicologia moderna, é sinônimo de psiconeurose ou distúrbio neurótico e se refere a qualquer transtorno mental que, embora cause tensão, “não interfere com o pensamento racional ou com a capacidade funcional da pessoa”. Essa é uma diferença importante em relação à psicose, desordem mais severa. Como é possível promover ou reprimir certas necessidades básicas humanas, é da mesma maneira possível que certas falhas sejam produzidas pela cultura. Agora, como a maioria dos indivíduos de uma sociedade sofre de certas imperfeições, essas são vistas como normalidade e o indivíduo as coloca inclusive como seus objetivos, para não ser um outsider, ou seja, um marginalizado.
Os atentados noruegueses são a “maior tragédia da história recente do país”, afirma Deisy Lima Ventura, professora de relações internacionais da Universidade de São Paulo: “Não há precedente para uma tragédia dessa magnitude na Noruega. Os países nórdicos não são imunes a atentados, como já houve em Estocolmo, na Suécia quando um homem detonou explosivos em um ato terrorista frustrado, em dezembro de 2010, mas nada foi tão grande como agora”. A especialista chama a atenção para diferenças entre os massacres realizados por indivíduos de forma isolada, em escolas ou locais públicos como em Realengo (RJ) e Virgínia Tech (EUA), e a chacina ocorrida na Noruega. Há características próximas, como a de serem atentados motivados por pessoas que aparentemente não se encaixam na vida em sociedade. Mas o massacre norueguês tem um fator político que não existiu na chacina de Realengo, por exemplo. O atentado teve a intenção de eliminar o primeiro-ministro da Noruega, Jens Stoltenberg, afirma Deisy Ventura. Ela recorda que Stoltenberg era aguardado pelos jovens do Partido Trabalhista um dia após o atentado.
Além da chacina causada por Andres Breivik - ele chegou disfarçado de policial ao acampamento da juventude e disparou contra as vítimas com um fuzil -, a explosão de um carro-bomba em Oslo, no mesmo dia, diante do edifício-sede do governo do país, deixou outras sete pessoas mortas. O primeiro-ministro estava no prédio no momento das explosões. Acredito que em breve saberemos se ele (o assassino) Andres Breivik, agiu sozinho ou com ajuda de alguém, mas seja como for, há um fator político claro nos atentados. Em um país que é tido como referência de democracia, com o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, 0,983 em uma escala que vai de 0 a 1, e com tradição de pacifismo, o massacre faz soar o sinal de alerta com relação às atividades da extrema-direita, afirma a especialista.
Os partidos e grupos de centro-direita na Europa estão sendo “contaminados” com posições extremistas nos últimos anos, ressalta Deisy Ventura, que fez doutorado em Direito Internacional pela Université Panthéon-Sorbonne, em Paris. Existe uma irradiação destas ideias extremistas e xenófobas entre políticos e grupos que não são historicamente radicais. Políticos franceses de direita recentemente desqualificaram a candidata à presidência pelo Partido Verde, Eva Joly, por ela ser uma estrangeira naturalizada no país. Ela não teria a “cultura tradicional da França” e por isso está sofrendo preconceito, aponta a professora da Universidade de São Paulo - USP.
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*Sociólogo (UFF), cientista político (UFRJ), doutor em ciências junto à Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP). Professor Associado da Coordenação do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará (UECE).

Bibliografia geral consultada:
http://www.interaksyon.com/article/9153/norway-did-not-see-far-right-as-serious-threat-to-society; http://noticias.r7.com/internacional/noticias/massacre-da-noruega-e-maior-do-que-soma-de-tres-chacinas-nos-eua-e-no-brasil-20110724.html; HOBSBAWM, Eric J., “A literatura socialista e comunista”. In: História do Marxismo – 1 – O Marxismo no tempo de Marx. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, pp. 40 e ss.; Idem, “Stuttgart: a última unanimidade da Internacional”. In: História do Marxismo – O Marxismo na Época da Segunda Internacional (Terceira Parte). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, pp. 300 e ss.; ANDERSON, Perry, A Crise do Marxismo – Introdução a um debate contemporâneo. 1ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1985; CONTI, Mário Sérgio, Coluna: Crítica Radical - “A Crise da Crise do Marxismo”, de Perry Anderson; Brasiliense, 125 páginas. Revista Veja, 28 de novembro de 1984;  OLSHAKER, Mark & DOUGLAS, John, Mentes Criminosas & Crimes Assustadores – De Jack, o Estripador a JonBenet Ramsey...Rio de Janeiro: Ediouro, 2002; BRAGA, Ubiracy de Souza, “Serial Killers brasileiros: origem e significado da traigoidia”. http://espacoacademico.wordpress.com/2011/04/13; Idem, “Massacre de Eldorado dos Carajás: 15 anos de impunidade”. Disponível em: http://alainet.org - ALAI - América Latina em Movimiento, 2011.05.01; ELSTER, Jon, Marx, hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1971; Idem, Positions. Paris: Éditions de Minuit, 1972a; Idem, Dissémination. Paris: Éditions du Seuil, 1972b; Idem, Gramatologia. São Paulo: Perspectiva, 1973; Idem, Papel-máquina. São Paulo: Estação liberdade, 2004; KIERKEGAARD, Soren Aabye, O conceito de ironia: constantemente referido a Sócrates. 3ª edição. Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006; ANDERSON, Perry, A Crise da Crise do Marxismo. Introdução a um debate contemporâneo. 2ª edição. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985; DOSSE, François. História do estruturalismo 2: O canto do cisne. São Paulo: Editora Ensaio, 1994; FREUD, Sigmund, Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Neuva, 1972, 3 Volumes; FOUCAULT, Michel, Arqueologia do Saber. Petrópolis (RJ): Vozes, 1971; Idem, El Orden del Discurso. Barcelona: Tusquets, 1973; Idem, “Genealogia e Poder”. In: Microfísica do Poder. 4ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1984; ARENDT, Hannah, Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras, 1999: Idem, A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 2001, entre outros.  

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terça-feira, 19 de julho de 2011

INSCRIÇÕES ABERTAS

Estão abertas as inscrições desde o dia 18/07 para os cursos na A.C.M.C. Gente de Luta. Entre os cursos: Computação, Música, Capoeira, Karatê etc. Venha fazer a sua, lembrando que os jovens devem vir acompanhados dos pais ou responsáveis.